A pensão alimentícia
ficará mais rigorosa a partir de março
1) As
consequências para o devedor de alimentos no Novo CPC
Tendo em vista as especificidades do crédito alimentar
(sobrevivência do alimentando e dever de prover do alimentante) existe, como é
notório, a previsão de prisão civil do devedor de alimentos, no caso de
“inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentar” (CF, art. 5º,
LXVII3).
O objetivo não é a prisão em si, mas sim compelir o devedor
a que arque com o débito alimentar. Essa forma coercitiva é tratada, no âmbito
do CPC/73, no art. 733, especificamente no § 1º:
§ 1º Se o devedor
não pagar, nem se escusar, o juiz decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um)
a 3 (três) meses.
Apesar da omissão do texto legislativo, essa prisão é
cumprida em regime fechado.
Durante a tramitação do NCPC no Congresso Nacional, muito se
debateu se o regime fechado seria o melhor meio para se lograr o cumprimento do
crédito alimentar. Cogitou-se se melhor não seria fazer com que o devedor de
alimentos trabalhasse durante o dia (para, exatamente, obter recursos capazes
de permitir o adimplemento do débito alimentar), com o recolhimento à prisão
apenas durante a noite. Essa proposta, aliás, constou de versões preliminares
do projeto de novo Código. Nessa perspectiva, o relatório do Deputado Sérgio Barradas
trazia a seguinte previsão [4]:
A prisão será cumprida em regime semiaberto; em caso de novo
aprisionamento, o regime será o fechado.
Ou seja: chegou o NCPC a prever a prisão pelo regime fechado
apenas no caso de reiteração de prisão.
Porém, a inovação não foi bem recebida por muitos setores
[5] e, ainda na Câmara dos Deputados, foi alterada a previsão legislativa, de
modo a constar expressamente a prisão civil do devedor de alimentos em regime
fechado.
O texto sancionado (L. 13.105/15) regula o assunto no art.
528, e tem a seguinte redação:
§ 4º A prisão será
cumprida em regime fechado, devendo o preso ficar separado dos presos comuns.
E, tal qual no Código anterior, a prisão não afasta o
débito, conforme prevê o mesmo artigo:
§ 5º O cumprimento da
pena não exime o executado do pagamento das prestações vencidas e vincendas.
Além disso, foi inserido no Código o que já constava da
Súmula 309/STJ, no sentido de somente ser possível a prisão civil em relação às
últimas três parcelas devidas. A previsão, novamente, está no art. 528:
§ 7º O débito alimentar que autoriza a prisão civil do
alimentante é o que compreende até as 3 (três) prestações anteriores ao
ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo.
Portanto, em relação à prisão civil do devedor, nada mudou
no Novo CPC.
Apesar disso, há inovações no tocante ao objetivo de se
buscar maior efetividade no cumprimento da obrigação alimentar.
De um lado, determina o Novo CPC, no caso de inadimplemento,
o protesto da decisão não adimplida de alimentos:
Art. 528, § 1º Caso o executado, no prazo referido no caput,
não efetue o pagamento, não prove que o efetuou ou não apresente justificativa
da impossibilidade de efetuá-lo, o juiz mandará protestar o pronunciamento
judicial, aplicando-se, no que couber, o disposto no art. 517.
Ou seja, antes mesmo da prisão civil, sejam alimentos
fixados de forma definitiva ou alimentos provisórios [6], o juiz determinará o
protesto da decisão que fixou os alimentos
Trata-se de novo mecanismo coercitivo, pois o protesto (e
consequente “nome sujo” no mercado) pode trazer problemas na vida cotidiana do
devedor de alimentos.
Em um país onde as pessoas, de modo geral, realizam muitas
compras a crédito (o que depende de “nome limpo”), trata-se de bem-vinda
alteração legislativa – que, aliás, poderá ser utilizada em relação a qualquer
decisão judicial condenatória [7].
Mas vale destacar distinções entre o protesto da decisão de
alimentos e das demais: (i) nas outras decisões condenatórias, há necessidade
de trânsito em julgado; nas decisões de alimentos, não – especialmente para a
situação dos alimentos provisórios – e (ii) nas demais decisões condenatórias,
o protesto é feito a requerimento da parte; no caso dos alimentos, é de ofício
determinado pelo juiz.
Além disso, há outra inovação interessante: a possibilidade
de desconto dos vencimentos do devedor (no caso, por óbvio, de devedor
assalariado ou que receba aposentadoria ou pensão) em até 50% de seus
vencimentos líquidos.
Art. 529, § 3º Sem prejuízo do pagamento dos alimentos
vincendos, o débito objeto de execução pode ser descontado dos rendimentos ou
rendas do executado, de forma parcelada, nos termos do caput deste artigo,
contanto que, somado à parcela devida, não ultrapasse cinquenta por cento de
seus ganhos líquidos.
Assim, se um devedor de alimentos passa a receber salário,
poderá haver, além do desconto em folha das parcelas mensais, um desconto
adicional em relação às parcelas devidas. Pensando na situação mais usual, um
devedor que tenha de pagar 30% de seus vencimentos mensalmente (quanto à
parcela mensal, os alimentos vincendos), poderá ter mais 20% de desconto para o
pagamento parcelado dos alimentos vencidos.
Portanto, em síntese, o Novo CPC prevê o seguinte em relação
ao inadimplemento de débito alimentar:
(i) protesto da decisão judicial;
(ii) prisão civil, em regime fechado;
(iii) possibilidade de desconto de até 50% dos vencimentos
líquidos, no caso de execução de assalariado ou aposentado.
2) Procedimento (s) no caso de inadimplemento da obrigação
alimentar
Inova o Novo CPC em relação ao trâmite da execução de
alimentos.
No CPC/73, há um duplo regime: execução pelo art. 732 (sob
pena de penhora) ou execução pelo art. 733 (sob pena de prisão).
Com a Lei 11.232/05 (que criou a fase de cumprimento de
sentença), o sistema acabou por ficar incongruente. Isso porque o legislador
reformista simplesmente ignorou o dever de prestar alimentos quando da edição
dessa lei [8].
Mas, de forma sintética, após debates doutrinários e
divergência jurisprudencial, prevaleceu no STJ a seguinte posição9: os
alimentos previstos em sentença são pleiteados de duas formas distintas: (a)
execução autônoma para as hipóteses do art. 733 e (b) cumprimento de sentença
para a hipótese do art. 732 (CPC, art. 475-I e ss.).
Diferentemente do que ocorreu na reforma de 2005, o
legislador do Novo CPC não negligenciou o dever de prestar alimentos. Ao
contrário, trouxe uma série de inovações.
Assim, agora há quatro possibilidades para se executar os
alimentos devidos. A distinção se em relação ao tipo de título (judicial ou
extrajudicial) e tempo de débito (pretérito ou recente):
(i) cumprimento de sentença, sob pena de prisão (arts.
528/533);
(ii) cumprimento de sentença, sob pena de penhora (art. 528,
§ 8º);
(iii) execução de alimentos, fundada em título executivo
extrajudicial, sob pena de prisão (arts. 911/912);
(iv) execução de alimentos, fundada em título executivo
extrajudicial sob pena de penhora (art. 913).
Como se percebe, há importantes inovações:
a criação do cumprimento de sentença sob pena de prisão;
o fim da necessidade de citação do executado para a prisão
da sentença de alimentos;
a previsão expressa de cumprimento de sentença sob pena de
penhora (já utilizada no CPC/73, mas sem previsão legal) e
a criação da execução de alimentos fundada em título
executivo extrajudicial (sob pena de prisão ou sob pena de penhora – conforme
tratar-se de débito recente ou débito pretérito), o que afasta as dúvidas
quanto à possibilidade de fixação de alimentos e prisão civil decorrentes de
acordo extrajudicial (especialmente, mas não só, via escritura pública).
O assunto débito alimentar recebeu atenção do legislador e
está bem regulado. Assim, é possível acreditar que o acesso à Justiça do credor
de alimentos seja menos árido e árduo do que hoje é.
Contudo, ainda que o sistema esteja melhor, é certo que,
infelizmente, não se obterá a plena efetividade das decisões judiciais
alimentícias. Isso porque a questão envolvendo os alimentos é um problema mais
social e de respeito ao próximo do que efetivamente jurídico.
Do julgamento antecipado parcial de mérito (art. 356 do Novo
CPC) e sua aplicação às ações de Direito de Família
Flávio Tartuce[1]
O Novo Código de Processo Civil, que entrará em vigor em 18
de março de 2016 – na visão deste autor, seguindo-se o mesmo critério adotado
anteriormente para o Código Civil de 2002 –, traz muitas normas com impacto
direto sobre o Direito de Família Brasileiro. Cite, como principal exemplo, as
regras procedimentais específicas para as Ações de Família, previstas entre os
seus arts. 693 a 699, com destaque para a prioridade que deve ser dada à
mediação e à conciliação entre as partes.
Ademais, existem outros preceitos, muitos deles escondidos,
ou não perceptíveis em uma primeira análise, com repercussões para esse
importante ramo do Direito Civil, o que deve ser esmiuçado pela doutrina e
incrementado pela jurisprudência nos próximos anos.
Um desses comandos é aquele que trata do julgamento
antecipado parcial de mérito, o que tem enorme incidência para as demandas que
almejam o fim da conjugalidade, pelo divórcio, e a dissolução da união estável.
Conforme o art. 356 do CPC/2015, passa a ser possível, expressamente pelo texto
legal, uma decisão parcial, quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela
deles: a) mostrar-se incontroverso; e b) estiver em condições de imediato
julgamento, por não haver a necessidade de produção de provas ou por ter
ocorrido à revelia.
Sendo assim, partindo para a prática familiarista, em
havendo pedido de divórcio ou de dissolução da união estável de ambos os
cônjuges ou companheiros, cumulado com outras pretensões –, caso da guarda de
filhos, dos alimentos e de eventual pedido de responsabilização da outra parte
–, é perfeitamente possível que o juiz da causa decrete a dissolução do
casamento ou da união estável, seguindo a ação no debate de outras questões que
ainda pendem de julgamento.
Na verdade, tal solução já vinha sendo adotada pela
jurisprudência, em especial pelo Desembargador Caetano Lagrasta Neto, ora
aposentado, em julgamentos perante o Tribunal de Justiça de São Paulo,
seguindo-se a tese dos capítulos de sentença, desenvolvida por Cândido Rangel
Dinamarco. Entre muitos arestos, conforme acórdão da 8.ª Câmara de Direito
Privado da Corte Bandeirante, proferido no Agravo de Instrumento
990.10.357301-3, em 12 de novembro de 2010, de sua relatoria, “com a
promulgação da Emenda Constitucional n. 66/2010, e a nova redação do § 6.º do
art. 226 da CF, o instituto da separação judicial não foi recepcionado, mesmo
porque não há direito adquirido a instituto jurídico. A referida norma é de
aplicabilidade imediata e não impõe condições ao reconhecimento do pedido de
divórcio, sejam de natureza subjetiva – relegadas para eventual fase posterior
à discussão sobre culpa – ou objetivas – transcurso do tempo. (...). Discussões
restantes: nome, alimentos, guarda e visitas aos filhos, bem como a
patrimonial, devem ser resolvidas, conforme ensinamentos de Cândido Rangel
Dinamarco, em ‘cisão da sentença em partes, ou capítulos, em vista da utilidade
que o estudioso tenha em mente. É lícito: a) fazer somente a repartição dos
preceitos contidos no decisório, referentes às diversas pretensões que compõem
o mérito; b) separar, sempre no âmbito do decisório sentencial, capítulos
referentes aos pressupostos de admissibilidade do julgamento do mérito e
capítulos que contêm esse próprio julgamento; c) isolar capítulos segundo os
diversos fundamentos da decisão’ (Capítulos de Sentença. 4ª ed., São Paulo:
Malheiros Editores, p. 12). Observa-se que solução diversa não preservaria a
força normativa da Constituição e a carga axiológica decorrente da normatização
dos princípios da dignidade humana e liberdade na busca do amor e da
felicidade”.
No âmbito da doutrina, esse mesmo caminho foi adotado, pelo
menos parcialmente, em enunciado aprovado na VIII Jornada de Direito Civil,
evento promovido pelo Conselho da Justiça Federal em setembro de 2015, segundo
o qual: “transitada em julgado a decisão concessiva do divórcio, a expedição de
mandado de averbação independe do julgamento da ação originária em que persista
a discussão dos aspectos decorrentes da dissolução do casamento” (Enunciado n.
602). Em suma, o casal tem o seu vínculo extinto, sem prejuízo da resolução de
todos os dilemas que ainda pendem de decisão perante o Poder Judiciário.
No mesmo sentido, mas com tom bem mais abrangente, o
Enunciado n. 18 do IBDFAM, aprovado no seu X Congresso Brasileiro, em outubro
do mesmo ano, conforme proposta formulada por este autor: “nas ações de
divórcio e de dissolução da união estável, a regra deve ser o julgamento
parcial do mérito (art. 356 do Novo CPC), para que seja decretado o fim da
conjugalidade, seguindo a demanda com a discussão de outros temas”.
Em verdade, acreditamos que, em tal aspecto, o Novo Código
de Processo Civil dialoga perfeitamente com a Emenda Constitucional n. 66/2010,
que suprimiu os prazos para o divórcio e a separação de direito, alterando o
art. 226, § 6.º, do Texto Maior e facilitando a dissolução do vínculo conjugal.
Esse diálogo é perfeitamente notado pelo fato de o Estatuto Processual
emergente afastar qualquer burocracia ou entrave maior para o fim do casamento.
Efetiva-se, assim, o teor do que consta do próprio art. 8.º do mesmo Codex, in
verbis: “ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e
às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa
humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a
publicidade e a eficiência”.
Não restam dúvidas de que a eficiência e a economia estão
muito prestigiadas com tal premissa. A título de exemplo mais específico, e com
o intuito de esclarecer, em havendo pedido de divórcio cumulado com alimentos,
o juiz pode deferir o divórcio por sentença, liberando definitivamente as
partes daquele indesejado vínculo, e seguir no curso da lide a discussão a
respeito dos alimentos. Tal opção não afasta a possibilidade de as partes
ingressarem com duas ações autônomas, quais sejam uma de divórcio e outra de
alimentos, o que depende de sua pretensão. De toda sorte, não resta dúvida de
que o primeiro caminho melhor concretiza o que consta como regramento
fundamental da própria norma processual.
Feitos tais esclarecimentos, acrescente-se que, de acordo
com a mesma norma em estudo, a decisão que julgar parcialmente o mérito poderá
reconhecer a existência de obrigação líquida – certa quanto à existência e
determinada quanto ao valor –, ou mesmo ilíquida – que não preenche tais
requisitos (art. 356, § 1.º, do CPC/2015). Eventualmente, não havendo dissenso
ou pendência entre as partes, a sentença que decreta o fim da união pode também
trazer em seu bojo a fixação de verba alimentar. A parte poderá liquidar ou
executar, desde logo, essa obrigação reconhecida na decisão que julgar
parcialmente o mérito, independentemente de caução ou garantia, ainda que haja
recurso contra essa interposto (art. 356, § 2.º, do CPC/2015).
Na hipótese dessa execução, se houver trânsito em julgado da
decisão, a execução será definitiva (art. 356, § 3.º, do CPC/2015). Em
complemento, a liquidação e o cumprimento da decisão que julgar parcialmente o
mérito poderão ser processados em autos suplementares, a requerimento da parte
ou a critério do juiz (art. 356, § 4.º, do CPC/2015).
Por fim, está previsto na norma emergente que a decisão
proferida com base neste artigo é impugnável por agravo de instrumento (art.
356, § 5.º, do CPC/2015). No campo processual, anote-se que essa já era a
posição da doutrina especializada, especialmente no tocante às Ações de Família
(por todos: TARTUCE, Fernanda. Processo civil aplicado ao direito de família.
São Paulo: GEN/Método, 2012, p. 253).
Como palavras finais, entre perdas e ganhos, no objeto de
estudo aqui abordado, o Novo Código de Processo Civil é elogiável, resolvendo
definitivamente dilema que há muito tempo incomodava os teóricos e práticos do
Direito de Família Brasileiro. Esperamos que a jurisprudência incremente essa
solução nos próximos anos.
[1] Doutor em Direito Civil pela USP. Professor do programa
de mestrado e doutorado da FADISP – Faculdade Especializada em Direito.
Professor dos cursos de graduação e pós-graduação lato sensu em Direito Privado
da EPD – Escola Paulista de Direito, sendo coordenador dos últimos. Professor
da Rede LFG. Diretor nacional e estadual do IBDFAM – Instituto Brasileiro de
Direito de Família. Advogado e consultor jurídico em São Paulo.
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Lei 13105/15#Lei nº 13.105.
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