Divisão de bens e partilha de herança podem ser terrenos
férteis para os espertalhões. Saiba como se proteger.
O recebimento de uma herança não é um processo automático no
qual, com a morte do proprietário dos bens, os herdeiros já tomam posse da
parte que lhes cabe no dia seguinte ao enterro. Uma série de procedimentos
legais deve ser observada e o seu início se dá com a abertura da sucessão e
assim será realizado o inventário que, em linhas gerais, consiste no
levantamento e na avaliação de todos os bens deixados pelo falecido, incluídas
as dívidas e doações que ele fez em vida.
Dito isso chamo a atenção do caro leitor para indagar como é
incrível o que algumas pessoas são capazes de fazer por dinheiro. Inclusive
tentar passar a perna em membros de sua própria família. A imaginação parece
não ter limites na hora de tramar golpes e estratagemas para lucrar às custas
dos outros, principalmente em momentos de grande fragilidade, como ocorre nos
falecimentos. No entanto, os que forem vítimas da esperteza alheia contam com a
lei a seu favor. É tudo uma questão de conhecer os seus direitos – e de ir à
luta por eles.
Recentemente recebi no escritório a consulta de uma senhora
que viajou para uma remota cidadezinha do interior com o objetivo de visitar a
irmã viúva, da qual há tempos ela não tinha notícias. Lá chegando, foi recebida
pelos sobrinhos – filhos de um irmão de seu cunhado, também já falecido. Eles
se limitaram a lhe dizer que a tia não estava, e nem sequer a convidaram para
entrar na casa. Depois de uma série de visitas infrutíferas e de uma série de
desculpas esfarrapadas, a mulher foi informada por um vizinho que sua irmã
havia morrido há quase três anos. Os sobrinhos lhe ocultaram o fato para
ficarem com a herança.
Na certa devem ter pensado: “Quando ela descobrir, será
tarde demais”. Só que eles estavam enganados. Como a falecida não tinha
cônjuge, nem pais, nem filhos, a próxima na linha sucessória era sua irmã. Os
sobrinhos só poderiam herdar alguma coisa se a tia já tivesse morrido. Como ela
ainda estava vivinha da silva, poderia recorrer à justiça para reivindicar seus
direitos de herdeira. Os espertalhões seriam obrigados a lhe devolver a herança
– mesmo que a partilha já tivesse sido feita. Alegar que os bens herdados já
haviam sido vendidos em nada adiantaria – eles teriam de usar seu próprio
patrimônio para repor a quantia devida.
A divisão de bens que ocorre depois de separações ou
divórcios também é um campo fértil para o engodo. Nos Estados Unidos, uma
mulher descobriu pela Internet que o marido havia ganhado uma bela soma na
loteria. Como planejava separar-se dela, não lhe contou nada na esperança de
ficar com toda a bolada. Pego em flagrante, vai ter de dar à mulher a parte que
lhe cabe. O mesmo aconteceria no Brasil. De acordo com o nosso Código Civil,
prêmios resultantes de loterias ou concursos também entram na divisão de bens
do casal. O que não entra na divisão é, por exemplo, o dinheiro advindo do
fundo de garantia, bônus e indenizações referentes ao trabalho. Mas atenção: se
esse dinheiro for usado para a aquisição de imóveis ou de outros bens, então
eles com certeza entram na divisão.
Tivemos também a consulta do marido que, durante a
separação, exigiu de volta metade das jóias com as quais havia presenteado a
mulher ao longo do casamento. Não funcionou. As jóia foram consideradas como
sendo bens de uso pessoal da esposa e, portanto, ficaram fora da divisão.
Vale lembrar que já existe uma lei que permite a realização
de divórcios, inventários e partilha de bens em cartório, facilitando a vida de
muita gente que pretende se separar ou aqueles que tem direito a herança. A
popularmente chamada “lei do cartório” torna esses procedimentos mais rápidos e
ágeis. No entanto lembro que nem todos podem recorrer a ela: a lei só se aplica
a determinados casos, de pessoas maiores e quando não houver testamento. Nos
demais, ainda é necessário recorrer à via judicial.
DOUTRINA, SUCESSÕES | 3 OUT 2015, Tudo por dinheiro.
Ivone Zeger é advogada especialista em Direito de Família e
Sucessão. Membro efetivo da Comissão de Direito de Família da OAB/SP.
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